Não é possível que um país apresentado como aquele que alimenta o mundo permita que metade da sua população viva sem saber se terá um prato de comida para a próxima refeição e que cerca de 19 milhões de pessoas simplesmente não tenham o que comer.
As cenas de cidadãos brasileiros garimpando mínimas porções comestíveis de proteína animal num caminhão que transportava restos na cidade do Rio de Janeiro, em setembro último, precisam causar um choque que vá além da compaixão momentânea. Não é razoável que se admita um flagelo como esse no Brasil, e combatê-lo deve ser a prioridade nacional.
As imagens chocantes ilustram números igualmente assustadores. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, mostra que, nos últimos meses de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no País enfrentou algum grau de insegurança alimentar.
Feita durante o período em que o auxílio emergencial havia sido reduzido para R$ 300,00, a pesquisa indica como proposta evidente para mitigar esse quadro a retomada da medida com valor mínimo de R$ 600,00. As organizações responsáveis pelo estudo – Action Aid Brasil, Friedrich Ebert Stiftung Brasil e Oxfam Brasil, com apoio do Instituto Ibirapitanga – recomendam ainda a volta do programa de apoio à aquisição de alimentos da agricultura familiar e de iniciativas dirigidas às populações do semiárido nordestino, como a construção de cisternas.
Se esse trabalho dá a noção do impacto da pandemia, para além da doença em si, na sobrevivência das famílias brasileiras, outros levantamentos deixam claro que esse drama social já se fazia presente antes que o novo coronavírus chegasse por aqui. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cobrindo os anos de 2017 e 2018, mostra que o problema atingia 36,7%, ou 68,9 milhões, de domicílios. A estimativa é que 84,9 milhões de pessoas tinham alguma insegurança alimentar, enquanto 10,3 milhões destas efetivamente passavam fome.
Esse quadro é inaceitável e não há razões “do mercado” que possam se sobrepor à urgência de assegurar o mínimo à sobrevivência da população. O agronegócio brasileiro bate recordes de produção e exportação. Graças à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e à competência da engenharia nacional ligada ao setor, avançamos cada vez mais em ganhos de produtividade.
Assim, é evidente que, diferentemente de outras regiões no mundo abaladas por guerras e catástrofes naturais, não há falta de alimentos no Brasil, mas uma desigualdade atroz ampliada pela indiferença que desumaniza a todos nós. É hora de dar um basta a esse flagelo pelas ações emergenciais de assistência social, mas também por mudanças estruturais que garantam o necessário a todos.
Solidariedade – Em meio a essa crise humanitária que vivemos no Brasil e enquanto o Estado não toma as providências para enfrentá-la efetivamente, tem sido admirável o esforço de inúmeras organizações e indivíduos para arrecadar doações e distribuí-las entres os que necessitam. O SEESP deu a sua contribuição nesse sentido com a campanha “Faça um Pix e ajude quem tem fome”, cujo resultado foram 80 cestas básicas, além de agasalhos, entregues a três instituições de caridade. Nossa esperança é que a ação possa minimizar em alguma medida esse sofrimento que não deveria existir.
Murilo Pinheiro – Presidente