Atualizado: Nov 27
Por Luiz Araújo - professor da Faculdade de Educação da UnB
Para entender o sentido das medidas de ataque a carreira docente, presentes nas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) encaminhadas pelo governo no mês de novembro de 2019, é necessário compreender o funcionamento da regra de ouro.
A regra de ouro das contas públicas é uma norma fiscal que proíbe a emissão de títulos da dívida pública em montante superior às despesas de capital. Dito de outra forma, a regra impede que o governo se endivide para financiar despesas correntes (folha de salários, benefícios previdenciários e assistenciais, custeio de serviços públicos).
Após o golpe parlamentar de 2016 e a aprovação da Emenda Constitucional n° 95, vivemos um círculo vicioso, que funciona mais ou menos assim: a piora do resultado fiscal tem como remédio o corte de gastos, este faz diminuir o crescimento, o que provoca queda na arrecadação, que piora do resultado fiscal.
o governo nos últimos anos tem cortado as despesas chamadas discricionárias, quase todas vinculadas a investimento (principal componente das despesas de capital). E com isso, chega mais perto de não cumprir a regra de ouro. Isso aconteceu nos últimos dois anos e vai acontecer este ano. E dificilmente não acontecerá em 2020.
Assim, o governo decidiu acelerar as reformas que diminuem o tamanho do Estado brasileiro, vendendo mais estatais, reformando a previdência social e agora chegamos na fase de ataque à folha de pagamento, principal elemento de despesa corrente.
Como todos sabem, uma folha de pagamento pode crescer por três motivos. O primeiro, bloqueado pela EC n° 95, é o acréscimo de serviços prestados diretamente pelo Estado - o que deriva a necessidade de mais servidores. Um exemplo é a construção de um novo Instituto Federal. O segundo, que encontra dificuldades de ser efetivado após a referida Emenda, é o crescimento por ganhos salariais, sejam aqueles que apenas corrigem as perdas inflacionárias ou por ganhos reais. O terceiro, chamado crescimento vegetativo, é oriundo de vantagens pessoais, quase todas decorrentes do
cumprimento das carreiras existentes para as várias categorias do serviço público. Os docentes federais são regidos pela lei n° 12.772, de 2012.
A Proposta de Emenda Constitucional 188, de 2019, propõe a criação de um artigo (167) na Constituição Federal e, por meio dele, escolhe o caminho do corte de direitos dos servidores públicos para cumprir a regra de ouro.
O novo artigo estabelece mecanismos que serão automaticamente acionados no exercício para o qual seja aprovada ou realizada operação de crédito que exceda à despesa de capital. E os mecanismos serão válidos para todos os órgãos que fazem parte do Orçamento da União.
E quais são os mecanismos? São arroladas 11 medidas que ficam vedadas, com destaque para a proibição de "concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração", "criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa", "alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa" e “criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza".
Mas, no seu parágrafo 1°, acrescenta outras vedações, dentre elas a proibição de "progressão e da promoção funcional em carreira de servidores públicos, incluindo os de empresas públicas e de sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio.
Assim, durante o período de suspensão, "ficam vedados quaisquer atos que impliquem reconhecimento, concessão ou pagamento de progressão e promoção" e afirma que “não se constituindo desta suspensão quaisquer efeitos obrigacionais futuros".
Além de congelar qualquer progressão na carreira do serviço público na vigência da situação de descumprimento da regra de ouro, abre a possibilidade de que "a jornada de trabalho dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional poderá ser reduzida em até vinte e cinco por cento, com adequação proporcional de subsídios e vencimentos à nova carga horária, nos termos de ato normativo motivado do Poder Executivo".
Mas, isso acontecerá quando? Imediatamente. Desde 2017 que o governo não consegue cumprir a regra de ouro. E fez vários contorcionismos fiscais para não ser acusado de crime de responsabilidade. Agora, caso insira tal dispositivo na Constituição, o governo terá permissão para congelar o principal fator de crescimento vegetativo da folha de pagamento.
De nada vai interessar a autonomia universitária, teremos um dispositivo constitucional obrigando os gestores a congelar qualquer promoção ou progressão funcional. E, após o tempo de congelamento, o governo não estará nos devendo nada, impedindo que progressões sejam autorizadas e fiquem esperando a liberação do financeiro, o que resultaria em saldos retroativos a receber.
É um ataque monumental ao direito previsto na Lei e uma nítida tentativa de jogar o ônus do ajuste fiscal nas costas de milhares de servidores públicos.
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